perdido em marte
Resenha
Atravessamos um triênio no cinema aonde um gênero que pode ser bem sintetizado como "Sci-fi cabeça-moderado" parece ter encontrado o caminho das pedras rumo ao sucesso. Debutando em toda a simplicidade e originalidade de Alfredo Cuarón em Gravidade (2013), testemunhamos a ciência assumir um papel - teoricamente - mais importante que a ficcção na grande tela. Um ano depois fomos arrebatados por mais uma empreitada grandiosa de Christopher Nolan, explorando questões como viagens espaciais, interdimenssionais e temporais com uma obsessão insaciável em manter tudo o mais próximo possível das teorias mais aceitas pelos cientistas atualmente. Imprecisões e erros a parte, o maior cuidado em manter certa verossimilhança é uma das características fortemente presentes em ambos os filmes.
Para completar a trinca, Perdido em Marte segue a mesma linha de seus antecessores, mais ambicioso que Gravidade, porém menos sonhador que Interestelar, o longa de Ridley Scott também trabalha incessantemente para nos convencer de que os acontecimentos do longa são completamente possíveis. Está aí seu trunfo e sua derradeira queda.
Primeiramente analisemos a estrutura geral: temos um Atronauta botânico isolado em um Planeta inóspito com poucos recursos e forçado a desenvolver métodos não convencionais para manter-se vivo durante pouco mais de um ano, além de descobrir como se comunicar com a Terra em busca de resgate; tudo isso depois de realizar uma auto-cirurgia delicadíssima( Serioulsy, mais uma titio Scott?). Isso tudo é um prato cheio para as fanfarronices heróicas que Hollywood adora nos vomitar de épocas em épocas, mas não é o que presenciamos no decorrer do longa, ao menos não completamente. O protagonista, Mark Watney, interpretado por Matt Damon, ao se ver em situação tão desfavorável, utiliza da melhor forma a maior capacidade inata ao ser humano, a racionalidade. Distribuindo eurekas e mais eurekas, as soluções extremamente criativas e desafiadoras desenvolvidas por Watney são o que mantem o filme divertido. Enquanto o núcleo localizado na terra expõe a faceta burocrática da Agência Espacial Norte Americana (NASA), e nos mostra a importância que a imagem tem muitas vezes acima da realidade.
Porém nem tudo são estrelas quando voltamos a falar de Mark Watney. Não questionemos suas atitudes, afinal a base dos personagens ser formada por funcionários da NASA já explicaria a ideias geniais, e percepções praticamente extra-sensoriais de meia dúzia deles, não é mesmo senhor Ejiofor? Apesar de tudo, um aspecto fora visivelmente negligenciado ao longo de todo o filme: a psique do protagonista.
Em momento algum a sanidade de Mark parece comprometida, nem ao menos alterada, apesar de toda a situação de isolamente e solidão a que é exposto. Ok, ele é um Astronauta, seu treinamento envolveu períodos de exclusão, porém não o prepararam para um evento como o que principia o longa, aliás nada prepara um ser humano para esse tipo de situação.
Talvez de todas as alterações psicológicas, a que mais claramente sofreria mudanças radicais, seria o humor, e é justamente essa a que parece menos afetada. O que torna o personagem interpretado por Matt Damon, um corpo que parece vazio de complexidade, alternando apenas em uma dicotomia pobre entre o riso e a raiva. Ridley Scott perdeu a oportunidade de criar um personagem realmente memorável.
O longa também não escapa de alguns clichês batidos no gênero, como o estudante alternativo de física funcionando como Deus Ex Machina desenvolvendo o método perfeito para o resgate; assim como a ex-equipe -mal aproveitada, diga-se de passagem - de Mark, tomando uma decisão questionável de ir buscá-lo apesar de todos os riscos e da grande quantidade de tempo adicionada à missão; ou a forçada união de povos em função de um bem maior, o salvamente do Astronauta; até uma colaboração da agência chinesa, que ignora o poder mercadológico que teria sua tecnologia ao cedê-la à NASA.
O Diretor erra a mão ao focar apenas no realismo científico e esquecer das relações humanas intra e interpessoais, o que infelizmente, ao menos em parte, gera o efeito contrário ao planejado. A metemática até passa, já as pessoas nem tanto. Entre todos os erros e acertos, Perdido em Marte é uma ótima pedida para quem busca entretenimento e bastante ciência, não é a redenção há tempos procurada por Ridley Scott, mas nos prova que o homem está vivo e ainda tem bastante combustível para queimar.

Por Artur Siciliano
Estudante de Letras, 23 anos, carioca e fundador deste site. Apaixonado por video-games, literatura, cinema, esportes e que sonha em atravessar o Oceano Pacífico de barquinho, apertar a mão e dar um tapinha nas costas do Tarantino e ressuscitar George Orwell e Carl Sagan.