Orange is the new black
Resenha temporada 1
Orange is the new Black, para aqueles que moraram em cavernas nos últimos três anos, como eu, é uma já clássica série de comédia dramática Norte-Americana produzida pelo Netflix, que narra a rotina de uma prisão feminina de segurança mínima em Nova York.
A primeira temporada de "OITNB" se desenrola de maneira paciente, nos primeiros episódios conhecemos a história da personagem central, Piper Chapman (Taylor Schilling) e seu noivo Larry Bloom (Jason Biggs), que próximos de seu casamento descobrem que Chapman terá de cumprir dezessete meses de pena por um crime cometido dez anos antes, delatada por sua ex-namorada Alex Vausen, integrante de um cartel internacional de drogas.
Chapman é, obviamente, a personagem que mais sofre mudanças ao longo da trama, ao apresentar as naturais transições em sua personalidade e visões de mundo quando sai de uma vida sossegada e estável de mulher dos subúrbios nova-iorquinos, e imerge a fundo no sistema carcerário norte-americano. Começam a surgir os primeiros questionamentos e reflexões sobre sua situação, tanto na cadeia, quanto antes do cárcere. Devo-lhes confessar que a inocência de Chapman é irritante em algumas situações, e sua capacidade de fazer más escolhas influencia bastante no desenrolar dos episódios. Um melodrama é instaurado na trama quando Piper acredita que Alex não foi a responsável por sua estadia na prisão, gerando um triângulo amoroso arrastado e evitável. Ponto negativo.
As outras personagens passam longe de meros apêndices à narrativa. Cada uma possui sua própria história, traços de personalidade, e rede de relacionamentos que juntos atraem mais facilmente a empatia de quem assiste.
De todas as personagens secundárias, a quem mais chama atenção é Suzanne, também conhecida como “Olhos Loucos”. Suzanne personifica perfeitamente a noção de antítese, seu comportamento instintivo dualiza-se com os momentos de extrema sensibilidade, e seu discurso muitas vezes é dotado de uma clareza e sutileza quase artísticas.
As divisões raciais na cadeia são reflexos das divisões encontradas na própria sociedade norte-americana. Brancos, negros e latinos bem delimitados em seus espaços. Porém todas transitam sem muitos conflitos por entre essas relações raciais. No grupo das brancas destacam-se Red, uma senhora russa de temperamento forte, que comanda a cozinha, e, por consequência, é a detenta mais privilegiada; Nicky e Boo, duas predadoras sexuais, sarcásticas ao extremo e sem o menor pudor nas palavras, e, por fim, Lorna, uma mulher que vive a idealizar o casamento com seu noivo que não existe. As negras são representadas por personagens também muito marcantes, porém ainda assim carregados de estereótipos relacionados à etnia, Tatystee - talvez a personagem mais carismática da série - é uma mulher inteligentíssima, bem humorada e melhor amiga de Poussey, que detém as mesmas características da anterior, e, por fim, Claudete, uma mulher sofisticada e que vive sempre de cara fechada, mas que se torna aos poucos a primeira confidente de Piper. As latinas são pouco exploradas, resumindo seu protagonismo à relação de Dayha, com sua mãe e Benett, um guarda carcerário de quem engravida, após um romance que funciona melhor que o triângulo “Larry-Piper-Alex”, e à Gonzalez, a detenta fã de The Smiths que lança uma dezena de referências à banda ao longo da série.
Enquanto o humor é tonalidade mais presente nas relações durante a estadia na cadeia, o drama toma lugar nos flashbacks. A gênese das presidiárias não dá espaço para nenhum alívio cômico, e mostra o quão humanas são aquelas mulheres. A série vai além de apenas transforma-las em vítimas passivas de uma injustiça social, mas faz questão de explicitar os erros que cometem, as decisões questionáveis e como são produto não só do meio, mas de suas próprias escolhas.
O posto de antagonista principal é assumido por Mendez, o chefe dos guardas da prisão. Suas ações muitas vezes brutais e abusivas, tendo o uso da força e intimidação como principais características remetem à própria ideologia machista de superioridade predominante na sociedade. Também visualizamos através das ações de Tiffany, uma ex-viciada em anfetaminas e recém-convertida, como a religião pode servir de justificativa para atrocidades cometidas àqueles que não seguem seus preceitos morais e dogmáticos.
Healy, o conselheiro de Piper e chefe de um departamento da prisão, também é um personagem que se modifica radicalmente ao longo da trama. Seu ódio injustificado pela então chamada “atividade lésbica” o leva de um homem centrado e até afetuoso, à cúmplice de um quase homicídio. A intolerância ao diferente permeia durante toda a série, e é um dos pontos principais de reflexão.
A primeira temporada de OITNB foi uma grata surpresa de fim de noite que se tornou uma prazerosa rotina de uma semana. É divertida quando deve ser, e suficientemente brutal para acender questionamentos outrora negligenciados. Nesse boom de grandes séries sendo lançadas em profusão, ela consegue se destacar por toda a originalidade e cuidado como aborda assuntos tão sutis. Definitivamente o laranja se tornou a cor mais quente.

Por Artur Siciliano
Estudante de Jornalismo, 23 anos, carioca e fundador deste site. Apaixonado por video-games, literatura, cinema, esportes e que sonha em atravessar o Oceano Pacífico de barquinho, apertar a mão e dar um tapinha nas costas do Tarantino e ressuscitar George Orwell e Carl Sagan.