Home > Literatura > Dormi Cachorro e Acordei Moleque
Conto
Dormi Cachorro e Acordei Moleque
Dormi cachorro e acordei moleque...
Contando assim, parece até mentira, mas sim... Dormi cachorro e acordei moleque.
Não sei muito bem como aconteceu, mas quando acordei de manhã sobre minha cama de papelão em frente ao restaurante do Beto, eu não tinha mais 4 patas, mas sim duas finas e negras pernas tristes.
Antes que eu pudesse me dar conta do que estava acontecendo, Seu Beto começou a me chutar e me xingar. Estranho... Ele me alimentava todos os dias.
Aliás, to com fome.
Ainda tentando entender o que havia acontecido comigo, fui pedir ajuda a Lourdes das flores. (Ela sempre me dá água!) Assim que toquei na sua cintura, pude sentir o gosto dos meus dentes..
Acordei numa jaula cheia de moleques. O gosto do sangue não mascarou a fome e nem disfarçou a sede.
Me tiraram da jaula e finalmente vi comida!
Antes que eu pudesse sentir o gosto, os outros moleques a roubaram! Rosnei... Sempre funciona nas ruas. Mas aqui nesse pedaço de inferno não... Levei uma senhora surra.
Acordei 3 dias depois numa jaula branca, só de pretos manchados de vermelho.
Conheci o Caio. Caio já nasceu moleque. Os olhos dele não diziam nada, mas seu jeito de falar, fazia parecer que ele tinha 40 anos.
Caio me ajudou a pular o muro e sair dali. Andamos por 3 dias até o centro da cidade. Conheci novas pessoas iguais ao Caio... Conheci a tal pedra. Foi o melhor momento da minha vida de moleque. Talvez o único bom.... Perdi a fome, o frio e o medo. Mas infelizmente acabou... Daí vieram as dores.
Tínhamos que conseguir mais, mas a pedra custava dinheiro. Nunca entendi daonde vem o dinheiro e porque eu não tenho nenhum.
Como cachorro, as pessoas me davam as coisas. Agora como moleque, preciso pegá-las... A única coisa que ganhei, foi uma faca. Segundo Caio, com ela as coisas acontecem.
Nunca soube muito bem o que fazer... Quase sempre apanhava e corria. Com o tempo as pessoas foram ficando mais resistentes a nós e tivemos que usar da força bruta de uma criança de 9 anos.
Fumei pela manhã e vi o paraíso... O efeito passou e beijei o diabo... Caio saiu pra conseguir dinheiro pra passagem pro céu, mas voltou com sangue seco na pele.
Nunca soube o que ele fez, mas acordei surrado num carro azul e barulhento.
O homem me dizia que eu precisava ser sacrificado porque minha raça estava gerando muita baderna. Lati que não sabia de nada, mas não adiantou.
"VOCÊS SÃO TODOS IGUAIS, MOLEQUE!"
3 tiros no rosto foram o suficiente pra eu dormir moleque e acordar cachorro... Mas se eu contar essa no canil, ninguém vai acreditar.

Por Vitor Varela
23 anos - estudante de administração, mas não por acidente; Raulseixista, fanático por Black Sabbath, dono do meu próprio nariz. Movido por desejos e de humor profano.