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Fala que Eu te Escuto, Editor
Banal
Hoje fui assaltada. Pela segunda vez. Não fiquei surpresa e foi isso que me assustou.
Três amigos próximos tinham sido assaltados dentro de um mês. Claro que eu poderia ser a próxima.
O que me surpreendeu foi a banalidade de tudo. Um homem me empurrou e tirou o celular da minha mão enquanto eu tentava ligar para uma amiga. Várias pessoas estavam em volta e só olharam. Continuei andando como se nada tivesse acontecido. Não tremi, meu coração não acelerou. Tomei as providências necessárias e voltei para casa como se fosse algo da minha rotina. Como se tivesse ido na padaria voltando da faculdade, por exemplo.
Depois comecei a tentar encontrar justificativas. “Talvez eu tenha dado muito mole tirando o celular do bolso na rua para falar com uma amiga”, “devia ter saído de casa com um celular velho”, “devia ter saído sem celular”, “devia ter ficado em casa” – como sugeriu minha mãe. Parei quando percebi que estava tentando jogar a culpa para cima de mim. Não, a culpa não era minha. A culpa nunca é da vítima. Em assalto, em estupro, em nada.
Mesmo que eu tivesse saído de casa com um celular, uma câmera e 8000 reais em barras de ouro na mão, um assalto não seria minha culpa. É um crime. Uma violação de bens e, muitas vezes, da nossa integridade física.
Vivemos em uma sociedade tão absurdamente corrompida pelo crime que coisas como roubo, furto e tráfico se tornam banais e às vezes só percebemos o caos da realidade brasileira quando saímos dela. Eu digo isso porque morei em uma cidade americana de cerca de 25 mil habitantes em que a polícia mandava e-mail para os estudantes da universidade quando um cara passava a mão na bunda de uma menina. JURO. Isso era considerado assédio e o infrator tinha que responder pelos seus atos. Os brasileiros que moravam lá (estou incluída nesse bolo) achavam graça quando isso acontecia. Mas, me diga, eles que são os errados? A realidade deles que é absurda?
O caos nesse país é tão grande que as pessoas andam com celulares velhos na bolsa para o caso de serem assaltadas. Colocam todos os seus bens no seguro. Câmeras de vigilância em suas casas.
O medo é tão constante que sempre me assusto quando alguém sobe em um ônibus pela porta traseira, sempre observo o movimento das mãos de pessoas suspeitosamente inquietas, sempre olho para trás quando ando em uma rua escura.
Vivemos cercados pelo medo, saímos de casa todos os dias sem saber se voltaremos vivos e sãos e nada é feito a respeito. Tem sido assim desde que me entendo por gente. Somos reféns da criminalidade e da corrupção do berço ao óbito e aceitamos a nossa condição. Pior, costumamos dar risada disso tudo. “É rir para não chorar” – uma das frases mais sem sentido que já ouvi. Deveríamos chorar. Deveríamos nos revoltar. Deveríamos tomar atitudes. Não há motivos para risada. Não há espaço para “é assim mesmo, tem que se acostumar”.
O mundo nos violenta das mais diversas formas: mais assaltos, mais estupros, dólar alto, aumento de passagem, caos na saúde pública – mas vamos compartilhar umas fotos zoando a Dilma que tá tudo certo. Vamos fazer umas piadas no Facebook. Nada que um like não resolva. Nada como um like para levantar a autoestima. Como disse um dos meus personagens favoritos de um dos meus livros favoritos: “Este mundo não vai acabar por causa da bomba atômica, como dizem os jornais, vai acabar, sim, de tanta risada, de tanta banalidade, por essa mania de se fazer piada com tudo, e além do mais, piadas ruins.”.

Por Tallyne Vasconcelos
Estudante de Engenharia Química, 23 anos, pernambucana e co-fundadora do site. Exatas com coração de Humanas, apaixonada por viagens, literatura e cinema. Ama desenhar, jogar GTA, assistir Netflix, aprender novos idiomas. Sonha em conhecer o mundo e ter uma biblioteca particular.