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12 Anos de Escravidão
 
Resenha

Ambientado duas décadas anteriores à abolição da escravatura, em um Estados Unidos da América marcado pela clara divisão ideológica e econômica entre norte e sul, o longa “12 Anos de Escravidão”, dirigido pelo britânico Stevie McQueen, não poupa ninguém de violência física e psicológica, principalmente a infringida aos negros nesse período conturbado da história americana. O enredo gira em torno de Solomon, um homem negro e livre de Nova York que é enganado e subjugado por contrabandistas de escravos ao fazer uma viagem pressupostamente à trabalho para Washington. Solomon tem sua identidade apagada e assume a alcunha de “Platt”, um escravo recém capturado fugido da Geórgia que é enviado clandestinamente para o extremo sul do país. Esse é o estopim para um drama épico que se desenrola de forma assustadoramente eloquente, deixando de lado as esteriotipadas hollywoodianas de Spielberg em Amistad, ou a ação louca e desenfrada de Django Livre (Quentin Tarantino), ambos envolvidos na mesma temática.

 

Em diversos momentos testemunhamos como a fotografia adquire um papel importante na própria narrativa do filme. A atmosfera da adaptção é impressionante, carrega quem  assiste de volta à Nova Orleans do século XIX, com seus pântanos, mangues, grandes contruções de madeira e o misticismo presente lá até hoje. Ao descer o Rio Mississippi, rumando ao sul, se tem dimensão do que tal travessia representava para um negro naqueles tempos: a certeza de uma vida roubada.

São longas sequências em silêncio que de nada necessitam além do rosto de Solomon (Chiwetel Ejiofor), explicitando todo o sofrimento e angústia predominantes nos anos de escravidão. Assim também o enxergamos como um homem que, à princípio, lutaria pela manutenção de sua identidade, porém se curva paulatinamente ao domínio étnico e moral imposto pelos brancos, todavia sem perder o senso de dignidade humana, levando em consideração os momentos em que trava lutas contra os abusos impostos por John Tibeats, personagem interpretado pelo excelente Paul Dano. Destaque também para a trilha sonora assinada pelo genial compositor Hanz Zimmer, que complementa de forma magistral o andamento do longa, sendo sutil e grandiosa nos momentos devidos.

         

A escolha do elenco foi essencial para dar um caráter mais vivo aos personagens, contando com medalhões já conhecidos do público em geral, como Brad Pitt e Paul Giamatti; e uma dupla de jovens atores que vem se firmando como grandes representantes da geração, Michael Fassbender e Lupita Nyong’o. A relação dos dois é feroz e cruel, Fassbender interpreta um fazendeiro escravocrata que nutre uma obsessão nociva pela personagem de Lupita, violentando-a e impondo um regime de terror e insegurança, detalhes que intesificam a constante sensação de inquietude presente ao longo do filme. Precisa ter estômago.

Talvez a grande reflexão que o filme não apresente de forma clara, é a crítica não só da exploração do homem em relação a uma etnia dita inferior, mas a uma superioridade imposta com base na casta social, questão que permanece até hoje como um problema global a ser discutido. Em um período histórico que presenciava a gênese dos conceitos capitalistas de mercado e o declínio do estatismo escravagista, o filme nos sugere essas questões em dois momentos quase despretenciosos; o primeiro na sequência em que um escravo segue a família de Solomon até o mercado e percebe a diferença significativa entre eles; assim como o discurso de Madame Shawn, ao relatar que depois de se submeter aos desejos amorosos e sexuais de seu “Dono” ao longo de muitos anos, passou a possuir seus próprios escravos e luxos, apesar de ser negra e ex-escrava. McQueen coloca em xeque essas questões de forma dispersa e praticamente subliminar, mas não deixa de fazê-los. Por fim, é fascinante sentir essa sensação de ineditismo ao assistir um filme com tema amplamente explorado. Definitivamente “12 anos de escravidão” não é um museu de novidades, mas sim uma percepção apurada e precisa de um recorte sincrônico da história sangrenta do ser humano. 

Por Artur Siciliano

Estudante de Letras, 23 anos, carioca e fundador deste site. Apaixonado por video-games, literatura, cinema, esportes e que sonha em atravessar o Oceano Pacífico de barquinho, apertar a mão e dar um tapinha nas costas do Tarantino e ressuscitar George Orwell e Carl Sagan.  

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